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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Untitled 5


Talvez eu ainda mude de ideia, claro. Quando a morte estiver ainda mais perto de mim, quando eu sentir seu hálito na minha nuca, talvez eu volte a acreditar em eternidade. Mas agora não.

Tudo isso eu pensava enquanto arrumava minha mala. Enquanto tentava pensar se levava este ou aquele anel, este ou aquele vestido. Maquiagem? Deveria ir ao cabeleireiro? Que ridícula! Uma velha, uma anciã, preocupando-se com vaidades. Mas a vaidade faz parte da dignidade feminina, e eu não conseguia fugir disso. Marquei hora no salão.

Fazia já alguns meses que eu não viajava de avião. Sempre tive medo. Sempre. Mas isso nunca me impediu. Gostava mais de viajar do que tinha medo. Sempre esquecia de ser ateia quando o avião começava a correr na pista: “meu deus, por favor, me proteja, que o avião não caia, que ninguém aqui morra hoje, amén”. E essa seria uma viagem longa. Acabei de verificar que estamos no mesmo país, mas não no mesmo horário.

- “Me conta! Me conta tudo!”

Assim era o cabeleireiro. Aquela alegria própria dos gays, que é só deles, porque a maioria das mulheres, mesmo as mais felizes, têm sempre uma certa amargura dentro de si. Ficou entusiasmadíssimo com a minha história, a minha viagem, o “reencontro com o primeiro amor”. Juro que encheu os olhos de lágrimas. Eu só dei algumas risadas discretas. Não sentia toda essa emoção.

Devo confessar que sentia um misto de mágoa e saudade. Saudade de algo que já não existia mais, não daquela pessoa. Daquele homem. Daquele velho, ancião. Que eu sequer conhecia, se fosse ser racional o bastante, tinha que admitir que depois de mais de 40 anos, eu sequer sei quem ele é.

Cabelos cortados, unhas feitas, mala pronta, banho tomado, roupas limpas, meu neto me levará até o aeroporto. Viro crente outra vez: “seja o que Deus quiser”.

A filha achava-o gagá. Senil, pobre coitado. Já quase sem juízo, a um passo da interdição. Mas ele não conseguia deixar de pensar nela, naquela namorada de tantos anos atrás, e de chamá-la, e de sentir que precisava vê-la, como se tivesse uma dívida pendente. Era isso: uma dívida pendente. Ele magoara seu primeiro amor, ele partira um coração sem pensar muito no assunto, e agora via (ou ao menos achava que) não podia ter feito aquilo. Que a providência não aceitaria seu ingresso nos céus se aquele mal não fosse remediado.

Quem ele queria enganar? Não acreditava em Deus, paraíso, providência. Mas sentia que era necessário remediar aquele mal. Pensava no quanto poderia estar sendo um velho ridículo, decadente, talvez ela mal lembrasse dele, talvez não se importasse mais (esperava que não se importasse mais). Quem sabe toda essa história não passasse de um desejo de um velho moribundo de reencontrar seu primeiro amor e tentar reviver a juventude?

Agora era tarde para voltar atrás, ela já estava a caminho. Só lhe restava esperar, e os dias no hospital eram lentos, muito lentos.

No avião sentou-se ao lado de um homem que aparentava ter a sua idade, bem como tinha um rosto familiar. Deixou o pensamento ir embora. Conhecera tantas pessoas durante a vida que, no fim, todo mundo parecia familiar. Afivelou o cinto, ajeitou-se naquela cadeirinha de bebê (como as poltronas de avião tinham encolhido conforme os anos foram passando!), pegou um livro da bolsa e começou a ler.

Antigamente daria um bom dia ou um boa tarde, mas agora não perdia mais tempo com estranhos e talvez fosse por isso que o mundo estava do jeito que estava, com as pessoas cada vez mais grosseiras e egoístas. Boas maneiras eram coisa de um passado muito, muito distante.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Untitled 4


Poderia dizer que nossa juventude foi conturbada, mas é mentira. Sempre fomos privilegiados, ainda que não necessariamente ricos. Nosso relacionamento é que foi conturbado, intenso, cheio de altos e baixos típicos de quem é muito jovem.

A começar pela nossa primeira vez. Você bebeu para tomar coragem, e dormiu. Eu não tinha muita experiência, embora tivesse mais do que você. Fiquei a te admirar, dormindo no chão da sala dos seus pais, sob a luz da lua. Um silêncio, e eu sem saber se ia embora, se te acordava, se simplesmente ficava ali.

Depois seus pais me levaram em casa. E eu voltei mais e mais vezes. Tantos anos. 6 anos. Uma eternidade quando se é jovem. Eu achei que minha juventude tinha acabado quando nos separamos. Ainda na faculdade, achamos uma sala vazia para conversar. Dissemos as mesmas coisas, derramamos as mesmas lágrimas, e foi cada um para um lado, sabendo que ainda teríamos tempo ali, naqueles corredores, naquelas salas, para nos encontrarmos todos os dias.

Na cantina, no ponto de ônibus, sempre um sorriso triste e um aceno. E depois aqueles deslizes, as fofocas, as traições, as brigas, as mentiras. Nunca conheci alguém que mentisse tanto e tão mal. Sempre li dentro dos seus olhos, e você sabia que eu sabia. Mentia e sabia que eu sabia. Tinha vergonha, mas mentia do mesmo jeito.

Pensando nisso agora, consigo lembrar de tudo. De quando você roubou uma mulher de papelão de uma banca de jornais, capa de uma revista de mulheres nuas, para “decorar” seu quarto. Você e todos os amigos tiraram fotos com a mulher de papelão. Ridículos. E eu ria de tudo.

Depois também chorei de tudo. De quando você viajou sem mim e voltou com fotos estranhas, e eu achei os negativos onde você estava abraçado em outra. Ou quando você me apresentou à outra. E eu tinha uma faca de caça na bolsa e quis usá-la em você. Chorei porque você me fez ter vontade de matá-lo. Chorei porque você me magoou. Chorei porque você era tão egoísta que não foi capaz de perceber tudo isso. E então ouvi de você: “você não pára de chorar, não aguento mais!”.

Nunca as coisas poderiam ser lindas e perfeitas porque nossas vidas não eram um filme. Eu fiz questão de ensinar meu filho e meu neto a nunca magoarem ninguém, principalmente as mulheres que eles amassem ou achassem amar. Creio ter conseguido, mas não sei se um dia saberei. Creio que consegui porque meu marido nunca me magoou propositalmente. Sempre pediu desculpas por qualquer deslize, o mínimo que fosse. Sempre preocupou-se em mostrar que me amava, durante todos os dias que estivemos juntos. Muito mais dias do que todos aqueles 6 anos em que estive com você.

Mas quando somos velhos não acreditamos mais em eternidade. E nem a sentimos.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Untitled 3


Sempre que pensava nele, sentia uma pontada no coração. Como a ausência do meu marido me doía. Dói. Haveria de doer sempre. Uma dorzinha chata, que vai e volta, incomoda, mas não chega a ser de enlouquecer. Sei que se ele estivesse aqui, iria comigo. Ia sempre comigo a todo lado. Me deixava sozinha, mas encontrava uma maneira de estar sempre presente.

O homem dos olhos castanhos. O único par de olhos castanhos que eu amei. Meu filho e meu neto têm os meus olhos, esverdeados.

Era engraçado como minha vida tinha transcorrido até ali. Altos e baixos, mudanças bruscas. Depois, toda uma calmaria, uma estrutura, tudo que eu temia: a rotina, o monótono. Tudo que eu amava: a rotina, o monótono. Me dava sanidade. Me deu sanidade.

Lembro do primeiro dia de aula na faculdade. Aquela excitação, os trotes, as correrias. E eu me vestia mal, nossa, como me vestia mal! Dou risada até hoje quando vejo fotos. Menina rebelde de cabelos pintados de vermelho e unhas verdes de canetinha e aquele líquido branco de apagar borrões. E foi isso que você viu, até falou de mim pra sua mãe. Que estava apaixonado. E eu nem sabia quem você era, nem que existia na mesma classe que eu.

E nem sei bem, até hoje, como foi que te percebi. Acho que vi você me olhando, um dia. Escondido atrás dos longos cabelos negros. Aqueles olhos azuis me olhando. Um tanto assustador. Só que sempre fui curiosa, quis saber quem me olhava, porque me olhava, então fui falar com você. Lembro que você engasgou, não conseguiu me responder logo de cara. Fiquei ali rindo e você ficou vermelho. Um homem tão alto, tão grande, com cabelos tão compridos... vermelho. Dou uma risada agora. Saudades desse momento, desse exato momento, em que eu também dei uma risada.

Sua mãe dizia: “essa menina está sempre sorrindo!” Eu achei que as coisas fossem de um jeito, logo que a conheci. Depois percebi que eram de outro. Foi nessa época que eu comecei a não acreditar em primeiras impressões.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Untitled 2

Não escrevi nada no final de semana e agora vou tentar tirar o atraso...


No dia em que meu neto chegou com aquela carta, eu já sabia que era relacionada a você. Uma carta, coisa mais antiga. Você sempre debochou de mim e da minha mania de escrever cartas, dizia que eu já tinha nascido velha. E então escolheu uma carta para me chamar. A carta era da sua filha, ela se apresentava, e dizia que não tinha conseguido achar um telefone pra me contatar, apenas um endereço, e tinha resolvido arriscar. O pai (você) estava muito doente e chamava muito por mim, essa pessoa que ela não sabia muito bem quem era.

Liguei para o número de contato, um lugar no outro lado do país. Sabia sempre que havia uma distância física entre nós, além das distâncias do tempo e das vontades, mas não imaginava tantos quilômetros.

Sua filha me atendeu com voz amável e cansada. Conversamos um pouco e eu disse que em alguns dias, estaria lá. Aí. Iria ver como você está.

E como você está? Fiquei pensando. Velho, claro. Como velha estou. Enrugado, cabelos brancos, será? Os olhos ainda muito azuis, certeza. O que me lembra um outro par de olhos azuis que há muito se foi. Vocês dois nunca me olharam da mesma maneira, mas eu olhei para os dois com os mesmos olhos. “Seus olhos”, vocês dois me disseram, em ocasiões diferentes. “Nunca vi nada igual”. E o que havia de tão especial neles, além daquela cor esverdeada de erva mate? Nada. Tudo. Amor.

Fiquei contemplando a carta da sua filha enquanto arrumava a mala. O que levar? O que vestir? O que dizer? Tantos anos. No entanto, aquela sensação de que o tempo em que estivemos separados era nada. Talvez essa seja a essência do amor: a capacidade que este sentimento tem de apagar o tempo, encurtar as distâncias e apaziguar as diferenças.

Meu neto não entendeu nada. Meu filho, menos ainda. “Mas vai viajar porquê?”. Um amigo, rever um amigo. “Mas que amigo?”. Sempre foram muito ciumentos, iguais ao pai e avô. Meu marido, meu amor, minha saudade. Era um ciúme carinhoso, não uma coisa possessiva, abusiva. Um cuidado, um afago, um medo de perder que beirava o infantil.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

NanoWrimo 2012 - Untitled 1

Vou tentar de novo. O NanoWrimo é um projeto no qual você tem um mês para escrever um livro. Ano passado eu entrei, mas não escrevi quase nada. Esse ano vou começar do zero, no dia 1.

Untitled

Seu rosto como um sonho. Um sonho vívido. Os anos passam, eu continuo tendo o mesmo sonho. No sonho, você fala comigo. Eu não escuto. Só tenho essa visão, clara, nítida, do seu rosto, você sem camisa, gesticulando, uma expressão neutra. Na beira da praia.

Esse rosto gravado na minha retina. Eu consigo te descrever em detalhes, mesmo aqueles que estão diferentes. Você está mais velho. Eu estou mais velha. Mas o impacto do teu rosto ainda é quase o mesmo.

Eu tinha que começar a contar essa história desde o começo. O problema é que não sei bem quando ela começou. As lembranças se misturam, confundem. Lembro de você parado a me olhar. Lembro de que gostei de você porque tínhamos lido o mesmo livro. Antes daquela informação, achava que você não tinha cérebro. E nem te achava bonito. Depois ganhaste uma beleza imbatível, aquela beleza que nasce do amor.

Beleza que permanece, não importa o quanto eu te olhe. Não vai embora. É perene. Mas é sonho, nada mais do que sonho. Onde você está? Eu não sei. Sei que um dia a vida decidiu que nossos caminhos haviam de separar-se, serem diferentes. Um no mar, outro na terra. Porque as nossas almas desejavam coisas muito diferentes, e não tínhamos nada, nada além daquele livro, em comum.

O amor é assim, engraçado. Tragicômico.

Um dia fomos ver uma cigana que lia as palmas das mãos. Ela disse que tínhamos um carma juntos. Coisa de vidas passadas. Eu acreditei. Sempre acredito nessas coisas. Você riu. Não sei se acreditou. Fato é que, mesmo sem nada em comum, passamos tanto tempo juntos que cheguei a pensar que não nos separaríamos, embora desde o começo soubesse, bem lá dentro, que esse dia chegaria.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Incompleto... pra variar.



A cena era um espetáculo bizarro. Embora fosse verão, parecia-me que a água cristalina do mar era gélida em qualquer estação. No entanto, eles estavam lado a lado, submersos, pareciam golfinhos à espera. Os corpos suspensos dentro d'água, como se dormissem.
A cena era de todo surreal: aqueles corpos imersos na vastidão límpida do mar gelado, lado a lado. Na areia, os carros estacionados com os faróis acesos, virados de frente para o oceano, iluminando aquelas pessoas. Era como se fosse algum tipo de chamado, algum tipo de sinal.
Alguns dias antes os italianos gritavam "Ave Caesar" para aquele que seria o líder. Comíamos pizza e paramos de comer praticamente chocados com a estranheza da cena.
O próprio César não sabia o que fazer, apenas deu uma risada e logo foi seguido por todos, o que aumentou nosso sentimento de temor. Não sabíamos o que estava por vir,
mas a essa altura era claro que alguma coisa crescia no interior do mundo, algo como um pensamento que tomasse forma a partir das sombras e esperasse o momento certo para agir.
Durante aquela semana naquele país estranho, enquanto investigava com muita discrição o passado e a origem daquelas pessoas, meus sonhos à noite foram tornando-se cada vez mais estranhos e vívidos.
Tudo era muito colorido e marcante. Procurava anotá-los em detalhes assim que acordava, mantendo um caderno e uma caneta ao lado da cama, no bidê. Carregava as anotações comigo, mas perdia muito dos detalhes. Sabia que ninguém podia ter acesso àqueles escritos, tinha certeza de que, embora parecessem sem significado, aqueles sonhos e o que eu escrevia sobre eles continham mensagens que não podiam cair em mãos erradas. Quais eram as mãos erradas era o que eu estava tentando descobrir.
Desde a minha chegada há apenas 3 semanas tudo tinha mudado da água para o vinho. Eu via a transformação tomando conta de lugares e pessoas à minha volta. Aquela gente amistosa estava cada vez mais amistosa, demais, na verdade, e eu tentava entender o que acontecia. Tornava-se cada vez mais difícil circular pela cidade sem que alguém viesse estar comigo e querer me fazer companhia. Eu precisava investigar e para isso tinha de ter privacidade, coisa que andava em falta.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Urso

Dois perdidos numa noite suja.
Dizem que as memórias ficam cada vez mais descoloridas e borradas com o passar do tempo, mas esta fica cada vez mais nítida.
Mas não existe a rua, não existem os prédios, nem os carros, nem quem quer que seja que lá também estivesse. Só me lembro de você.
O que aconteceu ali, eu ainda não sei dizer. Só sei que fiquei imediatamente sem jeito. Pulso acelerado. Não quis te encarar.
Depois disso, naquela mesa, tudo que dizias era motivo de riso. O frio justificava meu nervoso.
E depois daquilo, nada. Só um vazio, uma distância, um desespero crescente.
Em tão pouco tempo foste encontro e despedida. Brilho no olhar e lágrimas a correr pelo rosto. Abraços, beijos e partidas.
Tudo de bom e de ruim que há em mim.
Eu não achava que essa coisa de almas gêmeas existia de verdade. Mentira. Eu achava, sim. E já tinha até achado a minha alma gêmea, que como boa irmã, não fala comigo.

Não penso que sejas minha alma gêmea. Ela é única, é aquela, ela não fala comigo, ela só pensa em mim. E eu penso nela. Mas aconteceu algo aquela noite que talvez tenha sido misterioso, para não dizer mágico. O desfecho não foi bom, foi tragicômico, um tanto mais para trágico. Não houve mortos, nem feridos. Foi como se uma bomba explodisse a uma distância segura o bastante para que ninguém se machucasse, mas saí completamente atordoada.

Ele gravou Jimi Hendrix num cd e me deu. Nós, prometidos um ao outro desde pequeninos. Nós, que não temos, nem tínhamos, nada em comum. Apenas a música.

Achei que tu fosses a música, o verso, o acorde de guitarra. Achei que eras meu muro, meu castelo, minha fortaleza. Não posso dizer, sequer, que foste uma desilusão. Não, apenas ilusão. A ilusão da vertigem, do vermelho, da noite. A ilusão que foi embora quando o dia amanheceu e sol brilhou.


WATERFALL
NOTHING CAN HARM ME AT ALL
MY WORRIES SEEM SO VERY SMALL
WITH MY WATERFALL

I CAN SEE MY RAINBOW CALLING ME YEAH
THROUGH THE MISTY BREEZE OF MY WATERFALL

SOME PEOPLE SAY DAY-DREAMING IS
FOR THE ALL THE LAZY MINDED FOOLS WITH NOTHING ELSE TO DO

SO LET THEM LAUGH LAUGH AT ME
SO JUST AS LONG AS I HAVE YOU TO SEE ME THROUGH
I HAVE NOTHING TO LOSE LONG AS I HAVE YOU

WATERFALL
DON'T EVER CHANGE YOUR WAYS
FALL WITH WE FOR A MILLION DAYS
OH MY WATERFALL

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tsunami


A ilha era praticamente apenas uma casa, uma casa de madeira pintada de branco, em estilo colonial. Uma casa dessas que devem existir em lugares como as Bahamas. No pátio havia um viveiro de pássaros que mais parecia uma estrebaria. Havia um pássaro apenas, grande, de penas azuis, um pássaro que talvez exista e eu não sei qual é.
Do outro lado da casa havia um pier e um TGI Fridays (não pergunte). Estávamos nesse restaurante, que estava lotado, conversando sobre como as pessoas aproveitam pouco a vida e desperdiçam momentos comendo fast food, em vez de apreciarem comida de verdade. Então a onda gigante veio e varreu a ilha. Aí percebi que estávamos num arquipélago de pequenas ilhas e todas foram varridas pelas ondas gigantes (foram 2). Corremos para o viveiro, para ver se o pássaro estava bem. A onda caiu em cima da ilha e desapareu, deixando tudo encharcado e meio alagado.
O pier sumiu, junto com o TGI Fridays, sobrando apenas a casa, o viveiro e umas poucas árvores. O pássaro estava molhado e parecia muito triste e assustado.
Então entrou voando pela porta do viveiro um enorme e coloridíssimo tucano, procurando proteção.
Depois veio outra onda e depositou entulhos sobre a casa, que virou um prédio de concreto feito de entulhos. Então a parte original da casa, térrea, ganhou paredes grossas de pedra e tornou-se uma espécie de catacumba de igreja.
As pessoas das ilhas vizinhas migraram para essa ilha, que era a menos inundada. Dentre elas havia um messias, um homem mulato claro, que era uma mistura de Marcos Frota com Ben Harper (again: não pergunte).
E havia um padre. E o padre ia mostrar a esse messias os segredos de Deus. Estavam todos escritos num papiro, em latim. E o messias lia aquilo, era preso e seria enforcado no dia seguinte. E eu não entendia a razão daquilo e queria convocar as pessoas a protestarem, mas todos pareciam satisfeitos.
E no outro dia, de um sol radiante, o carrasco, que era o Javier Barden, vinha fazendo o sinal da cruz e rezando para que Deus lhe permitisse enforcar o messias (já era a terceira vez que iam enforcá-lo).
Enquanto isso, eu percorria as catacumbas atrás do manuscrito de Deus. Quando o encontrei, ele tinha palavras riscadas de preto, impossível de lê-las. O que sobrou do texto não fazia muito sentido e eu tinha ainda de traduzir. E o padre estava no meu encalço.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

To be continued...

Eu andava com um problema um tanto sério. 
Depois do almoço eu costumava tomar um cafezinho. Sentava na mesa do mesmo café, praticamente todos os dias. 
Ficava ali, bebericando o café, olhando o movimento. Apoiava o cotovelo na mesa, a cabeça na mão. 
E tudo acabava por me distrair tanto, que minha cabeça soltava do corpo e quando eu percebia, estava em cima da mesa ou, pior, já tinha rolado da mesa ao chão. 
Quando isso acontecia era muito embaraçoso. Um corpo sem cabeça não tem bem como saber para onde vai, e uma vez acabei por chutar minha própria cabeça, que bateu na vitrina de uma loja e voou, pousando com uma expressão muito séria, no colo de uma senhora, que deu um grito de horror e depois ficou paralisada, encarando-me estupefata. 
Como eu disse, era muito embaraçoso. 
Mas era algo que acontecia sem que eu percebesse. 
Eu andava muito distraída naquela época, e minha cabeça queria ir embora do meu corpo, eu acho. 
Fato é que se soltava e eu me via nessas situações terríveis de ter que andar sem cabeça por aí. 
Às vezes alguém fazia a gentileza de resgatar minha cabeça e colocá-la de volta no lugar. 
Mas, na maioria das vezes, as pessoas ficavam tão escandalizadas, que apenas me olhavam com reprovação, enquanto eu tentava localizar minha própria cabeça, andando feito barata tonta. 

(... continua ...)

sábado, 21 de agosto de 2010

Dia 12 - um conto

Aqui vai um que eu escrevi, só clicar.

terça-feira, 27 de julho de 2010

A garrafa azul

Dentro dela havia um líquido que ela me jurou que se eu bebesse, morreria e nasceria de novo, exatamente do jeito que eu sempre quis ser.
A ensanguentada andava largando pus em vez de leite pelo bico dos seios e eu não entendia porque ela simplesmente não amamentava o próprio filho. Disse a ela que ela também poderia beber da garrafa azul: ela não quis.
Fiquei ali contemplando o espetáculo de sangue e nojo, entre nauseada e espantada com a cena, com o egoísmo, com todo o ato. Era como teatro. Era um puro fingimento. A rainha das sem noção achava lindo e comentava que era mesmo hora de experimentar o mundo. Que mundo? Isso eu não sabia.
O que eu sabia é que poderia apenas morrer ao beber da garrafa azul e não tinha bem certeza se era isso mesmo que eu queria. O que eu queria, ali, naquele momento, era que alguém me salvasse. Me tirasse da cama, me botasse a correr e suar. Me fizesse parar de pensar e chorar.
Enquanto eu esperava, ficava ali, vendo aquela pessoa feita de sangue atuar. Encenar a vida perfeita, a humanidade perfeita cercada pelas paredes de açafrão de uma casa de mentira.
Eu não conseguia lembrar qual das pílulas era que a que me levaria de volta à Matrix: azul ou vermelha?
Tive medo do sangue, então fui embora. Que os outros continuem com seus atos, com seus sofrimentos guardados a sete chaves, e sua felicidade de plástico estampada no rosto.
Levei a garrafa comigo, posso precisar dela.

quinta-feira, 11 de março de 2010

I think I'm crazy...

Ouço meu coração batendo dentro dos meus ouvidos. Fazia caretas. Quis ouvir música, mas a tecnologia não deixou. Tive que discutir ouvindo fragmentos de um discurso desencontrado. Tive que ver certas coisas que se repetem. Tudo começou quando a minha turma do colégio foi a única que não pôde ir na excursão. Isso aconteceu de novo no outro colégio. Sinto que é sempre assim: eu nunca posso ir na excursão. Uma vez me trouxeram um urso de presente; agora, nem isso.
Tudo funciona para mim só uma vez, depois, já nada tem o mesmo efeito. Estava aqui, embaixo da minha língua e mesmo assim eu quis dar um soco na cara de alguém. Depois, tive pena da burrice alheia. Aí me contam de morte. Aí me contam de vida.
As minhas idéias insistem em encalacrarem-se cada vez mais fundo dentro de mim. Eu quero que todo esse ouro seja de verdade. Eu quero que no final do ano esse lugar dos sonhos seja meu.
Ambivalente e começamos a brigar. Será que vai ser sempre assim? Um passo em falso, um tropeço?
Eu queria vomitar essa bola de pêlos pra ver se essa angústia passa.
Espero que ainda chova bastante essa noite.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Havia um planetinha...

As unhas eram flúor, no cair da tarde, os pés e a cama, as unhas, e a pele, era tudo da mesma cor. Um rubro de pêssego que evocava sexo. Mas não algo bruto, uma coisa mais sensual, porque era preciso explorar aquela pele, aquela cor, aquela textura, aquele cheiro.
Ele achava que ela não percebia que o amor estava no toque dos pés, e no corpo que insistia em virar durante a noite para o lado que ela virasse. Ele achava que ela não percebia as muitas palavras que ele trazia no olhar e nunca tinha coragem suficiente para dizê-las. Ela achava que ele achava tudo isso. E o silêncio ficava no meio, mas havia o toque, e os dedos entrelaçados.
Ela dizia que não: não quero ouvir essa música, não quero ver esse filme. Ele não entendia que para agradar era fácil, era só não tentar tanto. Que ele devia prestar atenção nas esquinas, de onde a alma dela sorria e piscava o olho de jeito maroto.
Está tudo nos pormenores, nos segredos, nos olhares, na ponta dos dedos, nos fios de cabelo. Não há espaço para brutalidade, qualquer que seja a sua forma. Não há espaço para que algo seja forçado.
Ela queria dançar, dançar como uma folha ao vento. Para isso é preciso leveza. Leveza, e ele afundava cada vez mais nos cabelos dela, e os braços dele cada vez a aprisionavam mais... Para segurar areia nas mãos é preciso tê-las semi-abertas, assim o vento não leva a areia, e ela também não escorre entre os dedos.
Ela não saberia dizer se há mesmo uma coisa de "seu tempo, meu tempo". Há o tempo. Ele passa para todos. Assim é.
Ela saiu correndo sem correr. Ela olhou para trás e virou estátua de sal. Duas vezes. O sal derreteu com a umidade, depois veio o sol e o vento, secou, voou. Choveu, virou água do mar. Não vai mais voltar. Se não há o agora, não há o depois, o que há de tão difícil nisso?
Porque a rosa estava lá. Estava no beijo que devia durar mais e na carícia que devia ser mais suave. Estava lá, para onde foi?

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Paralisia cerebral

É como uma escara. Uma ferida que não sara. Pois quem poderá te salvar do horror a ti mesmo? Então acontece a paralisia: teu corpo se move, mas tu não consegues pensar. E se não pensar pode parecer uma libertação num primeiro momento, no seguinte, não mais. Porque é preciso pensar, ou então não se sobrevive.

E tu te arrastas de pijamas pela casa com uma xícara de café na mão. Juras por mais um dia que não beberás mais café. Sentarás e escreverás. Escreverás tudo: todas as idéias malucas, sórdidas, estranhas, banais... tudo o que te passa pela cabeça. Mas não há nada na tua cabeça. Teu cérebro foi picado por uma aranha que te diz, há muito tempo: não és capaz, não és capaz, não vales nada, nada, nada, tua vida não tem o menor sentido e tu deves perseguir sonhos e desejos que nunca foram teus. E isso não te fará feliz. E isso não fará ninguém feliz. É sádico e idiota e bem o sabes, mas não consegues, não consegues te libertar de todas as amarras imaginárias que te paralisam e te deixam sem pensar e sem sentir.

I need a heart to breathe again.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Um vampiro nunca entra sem ser convidado


O mesmo disco. A mesma música. O mesmo risco no disco.
O mesmo disco. A mesma música. O mesmo risco no disco.
E, no entanto, você coloca o disco para tocar, sabendo que a agulha vai parar no risco e aquele mesmo verso da canção vai repetir. Repetir. Repetir.
Mudam os atores. Não muda o espetáculo.
Muda o cenário. Não mudam as falas.
Quem você é não importa, desde que cumpra o seu papel. Não ouse sair dele. Na verdade, você não pode ousar sair dele porque não sabe que o faz.
As minhas unhas crescem, meu cabelo cresce, hoje sou mais velha do que ontem, mas mais jovem que amanhã. Vesti-me de princesa e fiquei bem, mas não pude partilhar isso com você.
Lembrei-me daquele homem a amparar uma mulher. A mulher dele. Pensei nisso: amparo.
Alguma vez você se sentiu amparado? Soube onde procurar refúgio?
Não é mesmo infinitamente triste procurar abrigo e ter de dormir ao relento?
Eu dormiria na beira da praia, olhando para o mar até meus olhos fecharem sozinhos, mas eu não precisei. Um estranho me estendeu a mão enquanto os seus pensamentos não estavam em mim.
Eu estava triste por você estar aqui e não estar. Agora talvez você queira estar aqui e para mim já não importe. Tudo o que eu disse antes não deixou de ser importante, mas eu sinto que a mensagem ainda não foi completamente e corretamente interpretada/absorvida/analisada/ processada.
Não ouse fugir ao seu papel porque isso faria com que eu tivesse de replanejar o meu. Buscar as pedras para reconstruir o meu castelo, que vem ruindo desde o momento em que percebi ser marionete de mim mesma. Ainda não cortei todas as cordas que me prendem àquilo que eu achava que era. Você se enredou nas cordas soltas e não sabe como fazer para cortar as suas próprias cordas. Use a cabeça: compre uma tesoura.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Todo fim é um começo


Até que o derradeiro fim chega.
Eu queria não focar a minha raiva em você, e de repente me pergunto o porquê disso. Se foi algo que você fez, porque eu não posso sentir raiva de você? Tenho mesmo de ser sempre coerente, justa, bondosa? Ou posso gritar e surtar e atirar os sabonetes em você? Jogar você e os seus sabonetes comprados de última hora e sem o menor carinho porta afora?
É difícil entender uma pessoa tão dupla quanto eu. Que quer e não quer, que ama e odeia, que chora e ri. Quase tudo ao mesmo tempo.
No mais das vezes, eu quero que você adivinhe. Ainda não acho tão difícil. Sensibilidade é a palavra, e é uma coisa bem difícil de atingir. Requer paciência e dedicação. Como diria o Pequeno Príncipe: foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez dela tão especial.
Você precisa se entregar tanto quanto quer a entrega do outro. Não é amor incondicional, é apenas reciprocidade.
Fato é que certas coisas me enfastiam. Você é duro consigo mesmo e acaba sendo também comigo. É um erro. Aliás, dois erros. Uma perda total do meu tempo, do seu tempo, do nosso tempo. Eu faço outros planos. Eu alço voo. Não sei quando voltar. Não sei se quero voltar.
Mas não me telefone. Não pense em mim. Não me procure. Não faça promessas, especialmente quando não se quer de verdade prometer. Não diga que quer fazer o amor suplantar o ódio nos meus sentimentos conflitantes. Não havia sentimentos conflitantes. Eu quis mesmo gostar de você. Mais: eu quis mesmo amar você. Você não deixou. Então não queira mais. Há muito de verdade e muito de mentira no que eu escrevo. Há muito mais verdade no que eu deixo de escrever e no que eu deixo de dizer. Havia uma dor muda no meu coração, mas mesmo os mudos podem ser ouvidos se tivermos um pouco de atenção. Foi preciso dizer "vá embora", para que você quisesse ficar. E aí tudo perdeu um pouco do sentido pra mim.
Talvez você não goste do que eu escrevo, da maneira como escrevo. Mas não há espaço para bobagens aqui. Eu radiografei a minha alma e te dei num envelope de presente. Começou a chover e o dia virou noite. Porque talvez esse envelope nunca tenha sido entregue, mas você sabia que ele existia e fingiu não perceber.
Você pode me criticar mas eu concluí que você, na verdade, não sabe quem eu sou. Apenas pensa que sabe. Não é mesmo triste isso?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O não amar


Junte os restos de mim e atire no mar. Junte o que ainda sobrou e dissolva na água salgada e gélida. Não deve restar nada. Eu preciso me fundir ao que há de muito maior. O oceano é como o espaço: infinito, misterioso, origem de criação e destruição. Mesmo assim eu tenho medo. Ainda que as coisas não precisem de sentido. Eu tenho medo e o medo apenas me faz sofrer um pouco mais. O medo não me previne de nada. O medo também não me impede de nada. Uma coisa é certa: a vida é muito melhor lá. Ainda que as pessoas também sofram, chorem, percam, morram. Porque há uma dignidade ancestral lá que a nós é estranha, quase intransponível.
Junte os restos de mim e atire no mar. Me deixe ir. Não há razões para o meu ficar.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Profícua


A poesia na pia da cozinha. O amor, ou a falta dele, é coisa cotidiana.

Ele me diz que tem o coração fechado e está doente da cabeça. Nisso a água ferve, porque eu preciso tomar mais chá pra tirar o gosto de sangue que não sai da minha boca.
É isso, então: vamos passar a chá de borboleta. Porque essa história de ficar comendo chocolate simplesmente não dá.
Eu imaginei. Entra aí. Senta. Toma um chá comigo. Nós não temos mais 17 anos. Isso não é bom nem ruim, apenas é. Nosso amigo faz cara feia, cai e levanta. Eu tento falar-lhe mas ele não me responde. Eu escuto música islandesa e sueca. Procuro alguém que também goste disso. Me diz: será que eu posso mesmo competir com a fantasia de olhos claros? Ou devo mesmo largar de mão o cabeludo? Porque ela não gosta de ti, sabe? Ela diz que tu me corta, e ela tem razão. E a outra disse que o limite foste tu a impor. Não eu. Nem queria impor, queria apenas limitar. Queria apenas dizer: não cruze essa linha, não chegue tão perto.
Partindo de um pressuposto que talvez seja pura pretensão minha, nós não gostamos de tanta proximidade assim, mas a desejamos, a desejamos muito.
E no meio de tudo isso: Lady Gaga é hermafrodita!!!!!! Vejam vocês... e aí me mandam isso por e-mail porque eu, de maneira bisonha, sou hermafrodita também, não é mesmo? Mas ele já tinha me dito que eu tinha esquecido como era ser homem, só porque eu disse que Rob Gordon é um idiota. Mas ele é mesmo. E o Ian também. Dois tremendos idiotas e eu ficaria com a namorada deles.
Eu olho, olho, olho pra essa foto e não consigo me decidir. De novo aquela coisa de saber o que eu não quero, mas não saber o que quero. Agora lembrei que tinha algo a acrescentar naquela lista do orkut! Sim, aos pouquinhos nós vamos indo. Aliás, eu vou indo. Tu eu já não sei. Mas assim, fica mais um pouquinho, eu tenho umas fotos e umas coisas pra te mostrar e quero que proves um alfajor.
Deve mesmo parecer ridículo eu dizer que sou chorona quando tem gente que acha que eu não choro, simplesmente não choro. Havia uma criança lá dentro daquela criança que foi afogada por algo de muito ruim. Ela vive na minha costela, mas eu sempre menti que era meu irmão gêmeo que tinha sido absorvido pelo meu corpo, já te contei essa história? É uma anedota pessoal.
Tu espera só um pouquinho? Vou ter que ir bater no síndico pro vizinho parar com essa música, senão nem conversamos direito. Come o alfajor aí, eu já volto.

Carta a Daniel 9


Querido Daniel,
percebi que nos escrevemos pouco. Ou seria muito e eu acho que é pouco? Ou?
Não sei. De qualquer forma parecia tanto tempo e nem era tanto assim. Eu poderia te contar toda a minha vida se estivesses disposto a ouvir. Desvendariamos um mistério juntos. Como em Amelie Poulin.
Eu vi umas fotos, eu pensei que posso te encontrar lá. Naquele mar. No vento. Na chuva. Naquelas pedras. Levarei algumas nos bolsos para marcar o caminho. E sempre voltar.
Eu pensei hoje que nesses filminhos românticos bobos as pessoas nunca têm conflitos reais. Os apaixonados sempre se batem por causa de incompatibilidades de personalidades, creio eu. Mas não lembro de grosserias... sinceramente, eu não posso mais suportar grosserias. É quase como se elas me queimassem a pele já queimada.
Ele sempre parte de um julgamento imediato e superficial. Tu já passaste por isso. Tu sabes como é. Eu preferia esse bosta a alguém que aparenta ser o que não é. Eu entendo o que quiseste dizer.
O problema mesmo é rir mais com um estranho do que com qualquer outra pessoa. Eu quis dar muitos socos hoje e já não consegui. Amoleço. Desapareço.
O problema mesmo é essa parcial incapacidade de dizer não. Não, não, não, não, não, não, simplesmente: NÃO. Só isso. Eu preciso do sal do mar. Da maresia. Pássaros e as ondas a bater na praia. Estou cada vez mais repetitiva, não?
Mas falar me invadiu de paz. Foi natural. Talvez não grandioso, mas natural. Pacífico. Sem arroubos nem agressões. Essa é uma carta de feliz aniversário. Porque eu adoro aniversários. E pro teu aniversário eu te desejo paz. Que teu coração se abra e que tuas horas deixem de ser vazias. Que tu consigas sorrir de novo de verdade. Que tu possas estar comigo naquela praia de pedras brancas. Que tu possas te sentir acolhido. Que tu possas sentir calor. Que a luz do dia te alegre. Que os sorrisos das pessoas te encantem. Que a música te toque. Que a beleza te acalme.
Um beijo com gosto de água salobra,
C.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Carta a Daniel 8


Querido Daniel,
8 é um número mágico, do infinito. E o que me pega por dentro e me mastiga e me cospe é essa falta de possibilidade de pensar no infinito. E as bobagens que tenho feito, que nem com 15 anos de idade tinha feito. Os erros que eu cometi que vêm se esfregar na minha cara e esse frio por dentro e por fora, que não termina, não termina...
Porque eu não posso mais planejar? Porque eu não posso mais querer? Porque tanto vazio, tanto vazio, tanto vazio? E frio? O calor que me faz suar é ruim. Não é um calor de verdade, é de mentira. E acho que tens razão quando dizes que tenho a aparência enfermiça de um poeta romântico. Mas agora morro de falta de amor. Pálida. Fria. Triste.
Eu queria a árvore de natal, os presentes, a comida e os abraços quentes. Sorrisos. E só vejo tristeza no fundo dos meus próprios olhos. Há momentos em que o mundo se torna um lugar absolutamente horrível e poucas coisas salvam. Mas hoje ele disse pra mim que as pessoas nunca amaram tanto, e eu quis acreditar. Eu juro que quis acreditar, mas até agora acho que não acredito. Sinto como se fôssemos todos mendigos dormindo na rua nesse frio abissal. E, no entanto, poucos são os que se aproximam uns dos outros na tentativa de se aquecerem.
Eu vou guardar teus iogurtes na geladeira, prometo que eles não vão estragar. Todo dia acordo nauseada e hoje não foi diferente. Vontade de vomitar o mundo que durou o dia inteiro. Tentei me concentrar na comida. Tentei pensar que era realmente boa. Tentei dizer: amiga, não coma bobagens, esqueça disso, tu não precisas disso. Tentei dizer: amiga, é melhor que seja assim. Tentei dizer: amiga, cospe na cara dele e nunca mais lhe dê ouvidos. Tentei, tentei. O máximo que consegui foi consolar um choro que tinha muito motivo. Que era quase meu. Porque foi dia 23 e no dia 22 eu esqueci de cantar aquela música que eu um dia prometi cantar todo dia 22 por qualquer motivo que eu não lembro. Já não importa.
Ele me disse que eu sou uma pessoa ótima. Ontem eu ouvi que sou uma pessoa legal que vai achar alguém legal. Mas eu preciso de calor, carinho e futuro. Talvez nessa mesma ordem. Coisa que eu não sou capaz de dar. Futuro. Alguém? Alguém?
Talvez quando a gente não tem mais nada a perder, seja a hora de ganhar. Eu ainda desconfio. E vejo quanta gente escrota ainda pisa nesse mundo lindo. E os erros vêm e me sujam a face. Debocham de mim. E eu apenas observo.
Preocupei-me com a ausência e talvez não seja nada. Talvez eu me importe demais, seja legal demais. Ainda. Mesmo com todos as pedras que tomei no meio do caminho. Os tombos que levei. Não quero me vangloriar. E ele conhece uma nova eu. Essa pessoa que fica com ele, que eu não sei quem é. Será que tu gostarias de conhecê-la?
Amanhã vai ter sol e vai nevar. Ah, vai. Eu vou pra Etretat, te contei? É, eu vou. Olhar aquele mar por ti.
Um beijo salgado e frio,
C.