terça-feira, 6 de novembro de 2012

Untitled 3


Sempre que pensava nele, sentia uma pontada no coração. Como a ausência do meu marido me doía. Dói. Haveria de doer sempre. Uma dorzinha chata, que vai e volta, incomoda, mas não chega a ser de enlouquecer. Sei que se ele estivesse aqui, iria comigo. Ia sempre comigo a todo lado. Me deixava sozinha, mas encontrava uma maneira de estar sempre presente.

O homem dos olhos castanhos. O único par de olhos castanhos que eu amei. Meu filho e meu neto têm os meus olhos, esverdeados.

Era engraçado como minha vida tinha transcorrido até ali. Altos e baixos, mudanças bruscas. Depois, toda uma calmaria, uma estrutura, tudo que eu temia: a rotina, o monótono. Tudo que eu amava: a rotina, o monótono. Me dava sanidade. Me deu sanidade.

Lembro do primeiro dia de aula na faculdade. Aquela excitação, os trotes, as correrias. E eu me vestia mal, nossa, como me vestia mal! Dou risada até hoje quando vejo fotos. Menina rebelde de cabelos pintados de vermelho e unhas verdes de canetinha e aquele líquido branco de apagar borrões. E foi isso que você viu, até falou de mim pra sua mãe. Que estava apaixonado. E eu nem sabia quem você era, nem que existia na mesma classe que eu.

E nem sei bem, até hoje, como foi que te percebi. Acho que vi você me olhando, um dia. Escondido atrás dos longos cabelos negros. Aqueles olhos azuis me olhando. Um tanto assustador. Só que sempre fui curiosa, quis saber quem me olhava, porque me olhava, então fui falar com você. Lembro que você engasgou, não conseguiu me responder logo de cara. Fiquei ali rindo e você ficou vermelho. Um homem tão alto, tão grande, com cabelos tão compridos... vermelho. Dou uma risada agora. Saudades desse momento, desse exato momento, em que eu também dei uma risada.

Sua mãe dizia: “essa menina está sempre sorrindo!” Eu achei que as coisas fossem de um jeito, logo que a conheci. Depois percebi que eram de outro. Foi nessa época que eu comecei a não acreditar em primeiras impressões.

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