quarta-feira, 15 de julho de 2009

As fogueiras no verão


Era um hotel de madeira branca e velha, dois andares, com balcões. Areia fofa por todo lado, mas não se via o mar. Era uma construção voltada para si mesma, e a dicotomia do mundo apresentava-se em pessoas boas vestidas de branco e pessoas más vestidas de preto. Tu eras bom, estavas de branco. No mundo acordado tu és cinza, bom e mau. No fundo um perdido. Na superfície um arrogante escroto.
Minhas sapatilhas azuis não me serviam nos pés. Eram feitas de crochet e lindas. Se eu as calçava sem meias, de pés nus, ficavam grandes. Se colocava meias, ficavam pequenas. Mas eu custava a me convencer a desfazer-me delas: atrapalhavam meu caminhar naquela areia fofa, mas eram lindas. As mulheres usavam turbantes brancos na cabeça. Havia cachorros e pequenos insetos um tanto assustadores. Aquela nossa amiga me saudava com seu sorriso habitual: grande, cheio de dentes, mais do que bonito: sincero. Trazia flores nas mãos. Não sei onde íamos. Eu me aproximava de ti e me mostravas uma ferida em carne viva no teu braço. Era tão feia que eu quase acordei.
Depois quando estava de volta ao mundo desperto, eu entendi. Mesmo assim disseste que eu não te conheço, e isso é meia-verdade. Eu podia inventar baboseiras românticas, mas devo aceitar que é solitário viver sem Deus. E só.
Faltou a fogueira naquela festa onde não estiveste. Faltou a fogueira do luau na beira da praia onde não estive no ano que já quase termina.
Eu vi a fraqueza estampada no teu corpo de louva-deus. Te comeria a cabeça, sabes? Mas preferi te deixar dançando ao sabor do vento, quem sabe aonde ele te leva?
O meu vento, esse me leva ao outro lado do oceano, a um lugar amado por alguém que eu penso amar. Para ver o mar, para ver o mar. Jogarei flores naquele mar, que na verdade é esse mesmo mar daqui. A água salgada e fria há de curar todas as minhas feridas. A tua, não sei, talvez nunca te cures.
Havia um sorriso naquele olhar que só ele viu. Tu preferiste apagá-lo. Quão triste isso pode ser? Além do fato de que eu não chorei no dia que deveria ser o meu mais feliz? Será que tu choras?
Eu queria essa calda de caramelo que eu tinha e não tenho mais. Queria pegar aquele rosto nas mãos e besuntá-lo de doçura. Não haveria por quê chorar nesse mundo de colorido brilhante. Tu me fazes querer ficar aqui, e talvez as fogueiras se acendam por isso. Por eu perder a mania de planejar o futuro que não existe. Tu me fazes querer um abraço teu aqui e agora. E mesmo isso pode ser mentira.
Tu me mostraste as salas da tua vida, e eram todas frias. Que culpa tenho eu? Um coração, ainda que seja quebrável, é melhor do que nada. Eu ainda prefiro sentir. Eu dizia que preferia sentir, ainda que quebrasse a cara, o corpo, o próprio coração. Que se partisse em mil estilhaços, eu dizia, não importa, eu prefiro sentir. Que raio de amor era esse que eu pensava poder sentir?
Não há fogueira aqui dentro, mas ainda há uma pequena chama. Assopre e acenda-me de novo. Eu sei que nasci pra brilhar. E para aquecer. Não me deixe morrer.
Tu podias pensar o mesmo, mas preferiste as paredes caiadas de branco-cinza e frio. Frio. Frio. Porque a cama está vazia, foi o que disseste. A cama está vazia, a casa está vazia. Estamos vazios. Não pretendo ser vazia por mais muito tempo. Até lá, vou patinar no gelo e rir.
O verão vai chegar e com ele, as fogueiras. O verão vai chegar e eu não vou estar lá pra te ver derreter.

Um comentário:

Mônica disse...

lindo texto, como sempre.