No dia em que meu neto chegou com aquela
carta, eu já sabia que era relacionada a você. Uma carta, coisa mais antiga.
Você sempre debochou de mim e da minha mania de escrever cartas, dizia que eu
já tinha nascido velha. E então escolheu uma carta para me chamar. A carta era
da sua filha, ela se apresentava, e dizia que não tinha conseguido achar um
telefone pra me contatar, apenas um endereço, e tinha resolvido arriscar. O pai
(você) estava muito doente e chamava muito por mim, essa pessoa que ela não sabia
muito bem quem era.
Liguei para o número de contato, um lugar
no outro lado do país. Sabia sempre que havia uma distância física entre nós,
além das distâncias do tempo e das vontades, mas não imaginava tantos
quilômetros.
Sua filha me atendeu com voz amável e
cansada. Conversamos um pouco e eu disse que em alguns dias, estaria lá. Aí.
Iria ver como você está.
E como você está? Fiquei pensando. Velho,
claro. Como velha estou. Enrugado, cabelos brancos, será? Os olhos ainda muito
azuis, certeza. O que me lembra um outro par de olhos azuis que há muito se
foi. Vocês dois nunca me olharam da mesma maneira, mas eu olhei para os dois
com os mesmos olhos. “Seus olhos”, vocês dois me disseram, em ocasiões
diferentes. “Nunca vi nada igual”. E o que havia de tão especial neles, além
daquela cor esverdeada de erva mate? Nada. Tudo. Amor.
Fiquei contemplando a carta da sua filha
enquanto arrumava a mala. O que levar? O que vestir? O que dizer? Tantos anos.
No entanto, aquela sensação de que o tempo em que estivemos separados era nada.
Talvez essa seja a essência do amor: a capacidade que este sentimento tem de
apagar o tempo, encurtar as distâncias e apaziguar as diferenças.
Meu neto não entendeu nada. Meu filho,
menos ainda. “Mas vai viajar porquê?”. Um amigo, rever um amigo. “Mas que
amigo?”. Sempre foram muito ciumentos, iguais ao pai e avô. Meu marido, meu
amor, minha saudade. Era um ciúme carinhoso, não uma coisa possessiva, abusiva.
Um cuidado, um afago, um medo de perder que beirava o infantil.
Um comentário:
me gusta mucho lo que tenés escrito!! tenés que terminarlo. quiero saber cómo termina esa historia. o cómo empieza.
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