quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Carta a Daniel 18

Querido Daniel,
eu senti saudades de ti. Dos teus pés. Daquela sala à meia luz e do silêncio. Da brisa morna da tarde. Da falta de expectativa, do sanduíche, do queijo.
Daquilo que seria. Senti saudades. Daquilo que seria.
"Se a gente continuar vai doer?"
"Vai."
Pois eu não sei de nada. Meu estômago queima.
Eu fiquei ouvindo todas aquelas músicas que só gosto de ouvir sozinha. Porque existem certas coisas incompartilháveis. Não as músicas em si, mas o que elas evocam. Acho que entendes.
Talvez eu devesse mesmo cruzar o oceano. Acreditar que existem príncipes. Mas na verdade, se ele fosse mesmo um príncipe, ele viria, ele atravessaria todo o mar para me encontrar.
Muitas coisas não fazem o menor sentido. E as que fazem, também não me dizem muito.
Mas eu consegui admitir certas coisas e isso foi, de alguma maneira, um tanto libertador. Não o bastante para me libertar da tristeza. Eu não sei nada de ti, eu não sei nada de ti. Só sei que as promessas quase nunca são cumpridas e todo o resto é ilusão. O problema é que, mesmo quando percebemos a ilusão, não conseguimos tomar nenhuma atitude concreta com relação a ela. Limbo.
Eu soltei o meu cabelo e tu não viste como ficou bonito. Eu sorri e tu não viste como foi sincero. Eu bebi, porque é mais fácil beber. Não se pode ter o melhor de dois mundos; às vezes, sequer se pode ter o melhor de um mundo só.
Depois a realidade virá galopante, baterá na tua porta, tu não saberás o que dizer mas não terás como impedi-la de entrar. Ela vai entrar, ela vai derrubar as paredes, ela vai derrubar tudo e terás de começar com uma pedra e depois outra, até teres teu castelo outra vez.
Eu vou morar na torre encantada, e quando meu cabelo estiver comprido o bastante, jogarei minhas tranças pela janela, à espera de um princípe que suba por elas e me tire de lá. Ou então uma verruga, na ponta do nariz, que atirada ao chão fará dele surgir uma escada. 
Um beijo com gosto de lima,
C.



2 comentários:

Dona ervilha disse...

Não faço nem ideia de quem seja o Daniel ou o motivo das cartas. O fato é que adoro quando elas estão aqui. Beijo.

Vica disse...

O Daniel foi inspirado no livro Cléo e Daniel do Roberto Freire. Ele não é necessariamente uma pessoa só.