quinta-feira, 29 de abril de 2010

Carta a Daniel 20

Querido Daniel,
faz frio lá fora e o frio seria maior se o silêncio não tivesse sido cortado.
Minhas unhas agora são cinza, cinza como minhas roupas e os meus dias. Todos os dias são a distância da palidez do teu rosto. A distância que flui.
Queria que me dissesses porque me odeias tanto. O que há no que possa ter acontecido que tenha deixado tanta mágoa dentro de ti. Uma mágoa que transparece no teu olhar baço, que não tem o brilho de antes.
Há um mundo de distância entre nós. Vários mundos: tudo gira ao redor da música, do tempo, dos sabores e aromas.
Eu queria chorar e não consigo. Em vez disso, meu nariz coça. Eu dormi, dormi, dormi, e não tive nenhum sonho bom. Ainda penso em cortar as minhas mãos, cortar as palmas das minhas mãos e ver o sangue escorrer por entre meus dedos. Isso me acalmaria.
Eu quis a paz e imaginei uma casinha isolada no deserto. Seríamos felizes, eu e tu. Teríamos um cão, peludo e grande. Sempre a andar com o rabo abanando de alegria e gratidão. Se há algo que os cães têm é isso: demonstram gratidão em quase todos os seus atos.
Eu prometeria o seguinte: cuida de mim agora. Cuido de ti depois. Cada um ao tempo de sua necessidade. Porque agora eu preciso, e muito.
Há algo de inconcretizável nesse sentimento que penso recíproco e isso sempre me parte o coração. Sempre.
Um beijo com gosto de poeira,
C.