segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Carta a Daniel 14


Querido Daniel,
com o tempo, eles deixam de ser pessoas. Passam a ser memórias. E na memória podem ser quem nunca foram, nem serão. Os rostos ficam distantes, e começamos a trocar a cor dos seus olhos. Uma anedota deixa de ser tão engraçada e não lembramos mais quem foi que a contou.
Porque o tempo faz os amores arrefecerem, cederem, dobrarem-se. Perdem quase todo seu significado. E as pessoas que deixamos de amar perdem suas cores. Perde-se o cheiro de sua pele, o calor de seu abraço.
E aquela idéia de conhecer alguém quase tão bem quanto a si mesmo cai no vazio, no escuro, deixa de ser plausível, passa a ser mero devaneio juvenil.
Eu acho que a modernidade fez isso conosco: nos desvinculou. Trocamos de amores como quem troca de roupa, ainda que isso nos magoe e nos deixe sem rumo. Não podemos mais esperar passar a vida ao lado de quem amamos, porque esse amor se desfaz como açúcar na água. Ainda se pudêssemos aquecer tal mistura, obter uma calda que virasse depois um caramelo, doce e duro, tanto mais perene, um pouco mais difícil de dissolver. Mas não há como fazer isso, ou ainda não aprendemos a fazê-lo. Então a água leva o açúcar embora e no máximo aparece uma outra ou outra formiga a tentar lamber o açúcar que não mais está ali.
Meu coração partiu e desde que ele partiu, eu não sei mais respirar direito.
Conta-me do teu coração.
Um beijo com sabor de regoliz,
C.


(OBS. A carta número 13 foi extraviada pelos correios)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Um vampiro nunca entra sem ser convidado


O mesmo disco. A mesma música. O mesmo risco no disco.
O mesmo disco. A mesma música. O mesmo risco no disco.
E, no entanto, você coloca o disco para tocar, sabendo que a agulha vai parar no risco e aquele mesmo verso da canção vai repetir. Repetir. Repetir.
Mudam os atores. Não muda o espetáculo.
Muda o cenário. Não mudam as falas.
Quem você é não importa, desde que cumpra o seu papel. Não ouse sair dele. Na verdade, você não pode ousar sair dele porque não sabe que o faz.
As minhas unhas crescem, meu cabelo cresce, hoje sou mais velha do que ontem, mas mais jovem que amanhã. Vesti-me de princesa e fiquei bem, mas não pude partilhar isso com você.
Lembrei-me daquele homem a amparar uma mulher. A mulher dele. Pensei nisso: amparo.
Alguma vez você se sentiu amparado? Soube onde procurar refúgio?
Não é mesmo infinitamente triste procurar abrigo e ter de dormir ao relento?
Eu dormiria na beira da praia, olhando para o mar até meus olhos fecharem sozinhos, mas eu não precisei. Um estranho me estendeu a mão enquanto os seus pensamentos não estavam em mim.
Eu estava triste por você estar aqui e não estar. Agora talvez você queira estar aqui e para mim já não importe. Tudo o que eu disse antes não deixou de ser importante, mas eu sinto que a mensagem ainda não foi completamente e corretamente interpretada/absorvida/analisada/ processada.
Não ouse fugir ao seu papel porque isso faria com que eu tivesse de replanejar o meu. Buscar as pedras para reconstruir o meu castelo, que vem ruindo desde o momento em que percebi ser marionete de mim mesma. Ainda não cortei todas as cordas que me prendem àquilo que eu achava que era. Você se enredou nas cordas soltas e não sabe como fazer para cortar as suas próprias cordas. Use a cabeça: compre uma tesoura.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Todo fim é um começo


Até que o derradeiro fim chega.
Eu queria não focar a minha raiva em você, e de repente me pergunto o porquê disso. Se foi algo que você fez, porque eu não posso sentir raiva de você? Tenho mesmo de ser sempre coerente, justa, bondosa? Ou posso gritar e surtar e atirar os sabonetes em você? Jogar você e os seus sabonetes comprados de última hora e sem o menor carinho porta afora?
É difícil entender uma pessoa tão dupla quanto eu. Que quer e não quer, que ama e odeia, que chora e ri. Quase tudo ao mesmo tempo.
No mais das vezes, eu quero que você adivinhe. Ainda não acho tão difícil. Sensibilidade é a palavra, e é uma coisa bem difícil de atingir. Requer paciência e dedicação. Como diria o Pequeno Príncipe: foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez dela tão especial.
Você precisa se entregar tanto quanto quer a entrega do outro. Não é amor incondicional, é apenas reciprocidade.
Fato é que certas coisas me enfastiam. Você é duro consigo mesmo e acaba sendo também comigo. É um erro. Aliás, dois erros. Uma perda total do meu tempo, do seu tempo, do nosso tempo. Eu faço outros planos. Eu alço voo. Não sei quando voltar. Não sei se quero voltar.
Mas não me telefone. Não pense em mim. Não me procure. Não faça promessas, especialmente quando não se quer de verdade prometer. Não diga que quer fazer o amor suplantar o ódio nos meus sentimentos conflitantes. Não havia sentimentos conflitantes. Eu quis mesmo gostar de você. Mais: eu quis mesmo amar você. Você não deixou. Então não queira mais. Há muito de verdade e muito de mentira no que eu escrevo. Há muito mais verdade no que eu deixo de escrever e no que eu deixo de dizer. Havia uma dor muda no meu coração, mas mesmo os mudos podem ser ouvidos se tivermos um pouco de atenção. Foi preciso dizer "vá embora", para que você quisesse ficar. E aí tudo perdeu um pouco do sentido pra mim.
Talvez você não goste do que eu escrevo, da maneira como escrevo. Mas não há espaço para bobagens aqui. Eu radiografei a minha alma e te dei num envelope de presente. Começou a chover e o dia virou noite. Porque talvez esse envelope nunca tenha sido entregue, mas você sabia que ele existia e fingiu não perceber.
Você pode me criticar mas eu concluí que você, na verdade, não sabe quem eu sou. Apenas pensa que sabe. Não é mesmo triste isso?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Eu sabia


Você saiu daqui sem dizer nada. Voltou, e também não disse nada, mas afinal você tinha a chave e podia entrar e sair a hora que bem quisesse. Um dia a minha dor vai te marcar, mas por enquanto você acha que eu não sinto nada simplesmente porque não consegue entender. Você veio aqui e não disse nada achando que não dizer nada era dizer tudo na medida em que eu realmente não ficaria sabendo da sua vinda.
Mas eu sei.
Eu sinto a sua ausência quando faz pouco tempo que você saiu. E às vezes também quando faz muito tempo. Tudo são coisas que você não percebe porque perceber exige sensibilidade. Você tem sonhos sem cor. Você tem sonhos desconexos. Você acha que todos os meus sonhos são mentira porque são coloridos demais e têm começo, meio, e fim, ainda que não necessariamente nesta ordem.
Você não entende que para ser amado é preciso amar. Você não entende que para que outro te toque é preciso tocar primeiro. É preciso abraçar primeiro e falar, e sorrir, e oferecer calor. É preciso querer a presença do outro para que o outro queira a sua presença.
Aí eu ouço palavras que me destroem: ternura, preocupação. E onde estão essas coisas, afinal?
Aí coisas muito mais práticas me afligem e tudo são coisas que você poderia entender se quisesse, mas isso demandaria uma intimidade por demais pertubadora para você. E aí eu fico só. E me sinto só. E o que mudaria isso? Estar efetivamente só.
Porque você haveria de concordar comigo, dentro de toda lógica, que estar realmente só é sempre melhor do que não estar só e mesmo assim sentir-se só. Porque eu digo as coisas querendo dizer exatamente o que eu digo e o problema, o grande problema, é quando alguém tenta interpretar o que realmente não precisa de interpretação.
Fórmulas mágicas... se elas efetivamente funcionassem nós não teríamos contradições. Não haveria um dia de sim e outro de não. Porque tudo funcionaria muito bem, como mágica!
Aí hoje eu caminhei, sabe? No escuro, e sozinha. E não precisava ser assim, eu sei que não precisava, mas não depende só de mim, realmente, não depende. E talvez eu queira mesmo demais, mas ainda há algo em mim que acredita, piamente, que você pode acertar nas coisas fáceis também, já que acerta nas difíceis. Deveria ser o contrário, que é o mais comum, mas estranhamente não é. Ainda assim, talvez não seja o bastante. Não é o bastante.
Eu sabia e mesmo assim não pude me evitar o sofrimento. Talvez eu goste mesmo de sofrer. Porque a sutileza faz parte da minha personalidade, e sendo assim posso dizer: é o meu jeito. E mesmo assim eu ainda consigo falar algo. O problema é quando não existem perguntas. Se elas não existem, não há o que responder. Eu poderia ir adiante, mas cansei.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Uma carta para Cléo


Querida Cléo,
Não sinta tanto medo. Seu mundo não está em colapso. Ele apenas está se transformando. Você está deixando de ser quem era, para ser você mesma.
Eu sei que tenho lhe deixado um tanto na mão. É um processo pelo qual nós dois estamos passando agora. Você é forte, e você consegue aguentar. Você não está sozinha. Você precisa lembrar de que não está sozinha. Há muitas pessoas ao seu redor que lhe amam e se preocupam com você.
Embora eu não esteja ao seu lado fisicamente, meus pensamentos estão. Eu beijo as suas mãos, eu lhe faço cafuné. Eu lhe abraço e digo: vai ficar tudo bem.
Você sabe que vai, por mais difícil que seja acreditar nisso. Você sabe que você merece que tudo fique muito bem.
Eu sei que não tenho respondido às suas cartas. Sei que isso lhe entristece. Mas não fique triste. Você tem tantos motivos para sorrir, muito mais motivos do que eu.
Guarde aquela pedrinha para mim. Eu prometo que vou buscá-la.
Com carinho,
D.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Questions


HOW?



Am I? Says who?



Actually, no, I don't. Do you?

sábado, 3 de outubro de 2009

Song for me

So today I wrote a song for you
Cause a day can get so long
And I know its hard to make it through
When you say theres something wrong

So Im trying to put it right
Cause I want to love you with my heart
All this trying has made me tight
And I dont know even where to start

Maybe thats a start

Cause you know its a simple game
That you play filling up your head with rain
And you know you are hiding from your pain
In the way, in the way you say your name

And I see you
Hiding your face in your hands
Flying so you wont land
You think no one understands
No one understands

So you hunch your shoulders and you shake your head
And your throat is aching but you swear
No one hurts you, nothing could be sad
Anyway youre not here enough to care

And youre so tired you dont sleep at night
As your heart is trying to mend
You keep it quiet but you think you might
Disappear before the end

And its strange that you cannot find
Any strength to even try
To find a voice to speak your mind
When you do, all you wanna do is cry

Well maybe you should cry

And I see you hiding your face in your hands
Talking bout far-away lands
You think no one understands
Listen to my hands

And all of this life
Moves around you
For all that you claim
Youre standing still
You are moving too
You are moving too
You are moving too
I will move you

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O não amar


Junte os restos de mim e atire no mar. Junte o que ainda sobrou e dissolva na água salgada e gélida. Não deve restar nada. Eu preciso me fundir ao que há de muito maior. O oceano é como o espaço: infinito, misterioso, origem de criação e destruição. Mesmo assim eu tenho medo. Ainda que as coisas não precisem de sentido. Eu tenho medo e o medo apenas me faz sofrer um pouco mais. O medo não me previne de nada. O medo também não me impede de nada. Uma coisa é certa: a vida é muito melhor lá. Ainda que as pessoas também sofram, chorem, percam, morram. Porque há uma dignidade ancestral lá que a nós é estranha, quase intransponível.
Junte os restos de mim e atire no mar. Me deixe ir. Não há razões para o meu ficar.