sábado, 29 de agosto de 2009

Carta a Daniel 11


Querido Daniel,
lembra aquilo que falaste sobre nosso amigo? Aquele que sabe se proteger?
Balela. Ridículo.
Tu sabes, eu sei, ele mesmo sabe: não sabemos nos proteger. Achamos que evitar é uma maneira de nos protegermos, mas não é. Apenas evitamos, e mesmo assim não deixamos de sentir.
Um homem me escreveu uma carta, uma vez. Ele contou tudo o que ele gostava a meu respeito. Eu sempre soube que ele tinha sido a única pessoa no mundo que um dia viu quem eu era. Sabe o que eu fiz? Eu joguei a carta fora.
Medo.
E isso me protegeu?
Não. Só me fez sentir raiva de mim mesma.
Será que algum dia alguém escreverá outra carta parecida? Tudo me leva a crer que não. Tu achas que outra pessoa te escreveria cartas como eu?
Tu achas que realmente te proteges de alguma coisa?
Seremos atropelados, tu e eu.
O pior mesmo é que eu disse: tu já estás envelhecendo. Mas pelo jeito eu sequer ouço meus próprios conselhos. Porque não queremos ficar sozinhos, não queremos ficar sozinhos.
"Eu não preciso disso", ela me disse. Eu ri. Tu achas que não precisas também, não é mesmo? Mas mesmo assim não queres ficar sozinho.
Um amigo falou que precisa de carinho, amor e futuro. Não precisas? Não preciso? Mas é justamente essa mania indecente de ficar tentando adivinhar o futuro que me faz adoecer. Que te faz adoecer.
Desculpe-me se ainda tento ler o que não escreves. Se ainda tento ouvir o que não dizes. Megalomania. Tudo isso é porque insisto em gostar de ti. Fantasma que arrasta correntes aqui, dentro de mim. Meu coração explodiu, te contei? Verdade. Agora eu tenho uma colagem no peito, pedaços costurados, papel roto, sangue escuro.
Porque quando ele está aqui eu o amo. Mas se não está, é tudo negro. Sabes o que é isso?
Pode ser como me disseram: drama. Eu li num livro que isso é uma "janela killer", deve ser mesmo a vontade de morrer. Agora eu nem sinto mais.
Eu sei que faço drama, só que às vezes não consigo evitar. Ao menos eu não sinto tanto quanto antes, eu consigo explicar. Só não sei se sou entendida. Mas é mesmo simples, muito simples: cafuné, abraço e shhhhh. Cale a boca. Só isso. Chega de dizer bobagens, não acha?
Porque quando eu digo que não quero que me escrevas é porque meu coração, tolo, tem no fundinho a esperança infantil de receber uma carta tua.
Com amor e gosto de cereja,
C.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Há 7 anos


Em 1º de agosto de 2002:

Tem horas que eu canso de ser essa criatura amorfa e politicamente correta que eu sou. Canso de sempre tentar apaziguar, conciliar, não me irritar, não me decepcionar. Tem vezes que eu me irrito e pronto. Fico furiosa com certas coisas. E sim, tem vezes que essas coisas são bobagens, dali dois segundos já nem vou lembrar porquê estava irritada, mas às vezes não dá pra ser tão racional, pra ser tão desprendida. Não acho que eu deva ser tão altruísta a ponto de abrir mão de tudo, de me comportar como o ser mais feliz da face da terra quando estou me sentindo um lixo. Não quero brigar, não quero discutir, mas às vezes não posso evitar de ficar chateada, e também não posso evitar demonstrar o que eu estou sentindo. Detesto essa gente que se diz sincera, acho que quem é sincero demonstra isso em ações. Eu não gosto de me vangloriar das minhas qualidades e tento superar meus defeitos. Mas não quero ser perfeita, porque não acredito em perfeição. Os defeitos de alguém, defeitinhos, não coisas graves, obviamente, são o que fazem de cada um diferente, especial.
Acho que eu tenho direito de ficar triste e querer colo de vez em quando. Não quero ser um fardo, mas eu sou gente também. Não dá pra ter sangue de barata todo o tempo. Eu não consigo. Eu tô com medo. De te perder.

Não tenho mais medo de te perder.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Carta a Daniel 10


Querido Daniel,
hoje vou te escrever sobre mim. Pode parecer estranho, mas a realidade é que nunca te escrevo sobre mim. É sempre sobre ti. Mas hoje é diferente.
Sabe, no fundo, deve ter sido inveja, por mais que me seja difícil admitir. Deve ter sido inveja mesmo, e isso me faz sentir extremamente envergonhada. Eu disse pra uma amiga que a gente não deve ter vergonha de coisas que não são nossa culpa. Eu sei que não é minha culpa, embora no fundo talvez seja.
A inveja era porque eu tenho certeza de que não seria do mesmo jeito comigo. E eu gostaria muito que fosse. Não seria e isso não me impede de nada, talvez só dificulte um pouco mais, e eu não fiz nada e fiquei apenas sentindo pena de mim mesma e inveja alheia.
Depois tinha a história do café. Era mesmo muito boa embora não faça sentido nenhum. Eu comecei a história e depois esqueci onde eu queria chegar com ela e é bem provável que não fosse necessário chegar a lugar algum. O que importava era a história de como eu conheci aquele café numa madrugada quente em São Paulo, no quanto a companhia me fez bem e no quanto eu me senti sozinha e deslocada naquele fim de semana que acabou se repetindo em Curitiba 3 anos depois, no mesmo café, que acabou se repetindo mais 3 anos depois, de novo em São Paulo e acabou não se repetindo, mais 3 anos depois, na mesma Curitiba. Essa coisa de me sentir sozinha e deslocada. Curitiba não me fez mais sentir assim. 3 anos depois. Eu me senti bem, eu me diverti, eu senti que alguém teve saudades de mim.
Mas me fez ver o quanto de horror, mágoa e raiva ainda existe. A ponto de eu acordar no meio da noite sendo afogada por uma água salgada e fria de um oceano de decepção que eu ainda levo dentro de mim.
Me diz: não é realmente mesmo bom isso de ter a atenção e o afeto de alguém? Sem ter que ter feito nada de especial em troca? Não é mesmo bom isso de alguém olhar pra você, conversar com você e simplesmente gostar de você porque você tem toda uma gama de defeitos e qualidades que te tornam único e essa é a razão desse alguém gostar de você? Porque você é único?
Porque você é único. Você pode achar o que quiser de você mesmo, e você pode se comparar a quem quer que você se compare, mas você é único e, por isso, só por isso, merece ser amado.
Não merecemos quase todos?
Beijo com gosto de chuva,
C.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Profícua


A poesia na pia da cozinha. O amor, ou a falta dele, é coisa cotidiana.

Ele me diz que tem o coração fechado e está doente da cabeça. Nisso a água ferve, porque eu preciso tomar mais chá pra tirar o gosto de sangue que não sai da minha boca.
É isso, então: vamos passar a chá de borboleta. Porque essa história de ficar comendo chocolate simplesmente não dá.
Eu imaginei. Entra aí. Senta. Toma um chá comigo. Nós não temos mais 17 anos. Isso não é bom nem ruim, apenas é. Nosso amigo faz cara feia, cai e levanta. Eu tento falar-lhe mas ele não me responde. Eu escuto música islandesa e sueca. Procuro alguém que também goste disso. Me diz: será que eu posso mesmo competir com a fantasia de olhos claros? Ou devo mesmo largar de mão o cabeludo? Porque ela não gosta de ti, sabe? Ela diz que tu me corta, e ela tem razão. E a outra disse que o limite foste tu a impor. Não eu. Nem queria impor, queria apenas limitar. Queria apenas dizer: não cruze essa linha, não chegue tão perto.
Partindo de um pressuposto que talvez seja pura pretensão minha, nós não gostamos de tanta proximidade assim, mas a desejamos, a desejamos muito.
E no meio de tudo isso: Lady Gaga é hermafrodita!!!!!! Vejam vocês... e aí me mandam isso por e-mail porque eu, de maneira bisonha, sou hermafrodita também, não é mesmo? Mas ele já tinha me dito que eu tinha esquecido como era ser homem, só porque eu disse que Rob Gordon é um idiota. Mas ele é mesmo. E o Ian também. Dois tremendos idiotas e eu ficaria com a namorada deles.
Eu olho, olho, olho pra essa foto e não consigo me decidir. De novo aquela coisa de saber o que eu não quero, mas não saber o que quero. Agora lembrei que tinha algo a acrescentar naquela lista do orkut! Sim, aos pouquinhos nós vamos indo. Aliás, eu vou indo. Tu eu já não sei. Mas assim, fica mais um pouquinho, eu tenho umas fotos e umas coisas pra te mostrar e quero que proves um alfajor.
Deve mesmo parecer ridículo eu dizer que sou chorona quando tem gente que acha que eu não choro, simplesmente não choro. Havia uma criança lá dentro daquela criança que foi afogada por algo de muito ruim. Ela vive na minha costela, mas eu sempre menti que era meu irmão gêmeo que tinha sido absorvido pelo meu corpo, já te contei essa história? É uma anedota pessoal.
Tu espera só um pouquinho? Vou ter que ir bater no síndico pro vizinho parar com essa música, senão nem conversamos direito. Come o alfajor aí, eu já volto.

Carta a Daniel 9


Querido Daniel,
percebi que nos escrevemos pouco. Ou seria muito e eu acho que é pouco? Ou?
Não sei. De qualquer forma parecia tanto tempo e nem era tanto assim. Eu poderia te contar toda a minha vida se estivesses disposto a ouvir. Desvendariamos um mistério juntos. Como em Amelie Poulin.
Eu vi umas fotos, eu pensei que posso te encontrar lá. Naquele mar. No vento. Na chuva. Naquelas pedras. Levarei algumas nos bolsos para marcar o caminho. E sempre voltar.
Eu pensei hoje que nesses filminhos românticos bobos as pessoas nunca têm conflitos reais. Os apaixonados sempre se batem por causa de incompatibilidades de personalidades, creio eu. Mas não lembro de grosserias... sinceramente, eu não posso mais suportar grosserias. É quase como se elas me queimassem a pele já queimada.
Ele sempre parte de um julgamento imediato e superficial. Tu já passaste por isso. Tu sabes como é. Eu preferia esse bosta a alguém que aparenta ser o que não é. Eu entendo o que quiseste dizer.
O problema mesmo é rir mais com um estranho do que com qualquer outra pessoa. Eu quis dar muitos socos hoje e já não consegui. Amoleço. Desapareço.
O problema mesmo é essa parcial incapacidade de dizer não. Não, não, não, não, não, não, simplesmente: NÃO. Só isso. Eu preciso do sal do mar. Da maresia. Pássaros e as ondas a bater na praia. Estou cada vez mais repetitiva, não?
Mas falar me invadiu de paz. Foi natural. Talvez não grandioso, mas natural. Pacífico. Sem arroubos nem agressões. Essa é uma carta de feliz aniversário. Porque eu adoro aniversários. E pro teu aniversário eu te desejo paz. Que teu coração se abra e que tuas horas deixem de ser vazias. Que tu consigas sorrir de novo de verdade. Que tu possas estar comigo naquela praia de pedras brancas. Que tu possas te sentir acolhido. Que tu possas sentir calor. Que a luz do dia te alegre. Que os sorrisos das pessoas te encantem. Que a música te toque. Que a beleza te acalme.
Um beijo com gosto de água salobra,
C.