quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Carta a Daniel 15


Querido Daniel,
estás quase deixando de existir. Transformado em fumaça, apenas tenho uma vaga noção de como era teu sorriso. Pergunto-me, diariamente, onde e quando e porquê ficamos assim: tão covardes. Algo de muito ruim, de muito sujo, de muito escuro deve ter acontecido em algum momento e, tomados pela surpresa, não conseguimos absorver de todo a tragédia, de maneira que ela penetrou nosso sangue, pouco a pouco, tornando-o podre e viscoso demais para continuar correndo em nossas veias.
Pergunto-me se poderemos fazer algum tipo de diálise que possa limpar nosso sangue, torná-lo vermelho, fluído, para que nosso organismo possa funcionar com perfeição novamente. Mas é difícil enxergar com sangue negro nos olhos. É difícil prosseguir com o coração pesado. As pernas parecem pedras, estão roxas e endurecidas.
Pergunto-me onde estarás, no que estarás pensando. Não que faça alguma diferença. No momento me parece que nada faz diferença e se o mundo acabar amanhã, bem, acabou. Não haverá ninguém depois disso para dizer que era alguma maldição da sexta-feira 13. Tudo deixará de existir e, por isso mesmo, nada importará. Pensar em ti apenas me distrai de pensamentos negros. E nem mesmo isso importa.
Um beijo salgado,
C.

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